I
Essa é a
trama da rede:
o tecido
das trocas que fabricam
o pano de
uma rede de dormir
enreda o
corpo do homem na tarefa
de criar
na máquina a rede com a mão.
A
armadilha do trabalho em casa alheia
engole o
homem e enovela todo o corpo
no fio no
fuso na roda na teia
do
maquinário da manufatura
que produz
o seu produto: a rede
e reduz o
corpo-operário à produção.
[...]
III
O
corpo-bailarino que transforma
a coisa
bruta em objeto
(a fibra
em fio e o fio em pano)
e o objeto
na mercadoria
(o pano
pronto na rede e sua valia)
transforma
o corpo do homem operário
em outro
puro objeto de trabalho
pronta a
fazer e refazer no fuso
aquilo de
que a fábrica faz sua riqueza
de que,
quem faz não se apropria.
[...]
VII
Sob a
trama do trabalho em tear alheio
o corpo
não possui seu próprio tempo
e é inútil
que lhe bata um coração.
O relógio
interior do operário
é o que
existe na oficina, fora dele,
de onde
controla o tear e o tecelão
VIII
De longe o
dono zela por quem faz:
pela força
do homem que trabalha,
não pela
vida do trabalhador.
Aqui não
há lugar para o repouso
ainda que
o produto do trabalho
seja uma
rede de pano, de dormir
e que
comprada serve ao sono e ao amor.
IX
Durante a
flor da vida inteira
fazendo a
mesma coisa e refazendo
uma
operação simples de memória
o operário
condena o próprio corpo
a ser tão
automático e eficaz
que domine
o gesto que o destrói.
A
reprodução contínua, diária, igual
de um
mesmo gesto repetido e limitado
todos os
dias, sobre os mesmos passos,
ensina ao
artesão regras de maestria
do
trabalho que afinal então domina
através de
saber sua ciência
com a
sabedoria do corpo massacrado.
[...]
XI
Quem fia e
enfia?
Quem carda
e corta?
Quem tece
e trança?
Quem toca
e torce?
A moça o
menino.
A velha o
homem.
Eles são,
artistas,
parte do
trabalho coletivo
que faz a
trama da rede
e a rede
pronta:
o objeto
bonito do descanso
que
inventa a necessidade
da
servidão do trabalho
do corpo
produtivo.
XII
A dança
ritmada desse corpo
de
bailarino-operário de um ofício
de que o
produto feito não é seu,
cria o
servo de quem lhe paga aos sábados
Para o que
sobra da vida de trabalho
do corpo
de quem fez e não viveu.
O
trabalho-pago, alheio e sempre o mesmo
obrigando
o operário bailarino
à rotina
de fazer sem possuir
torna-o,
artista, servo do ardil
de
entretecer panos e redes sem criar
e
recriar-se servo sem saber.
[...]
XIV
Não
conhece descanso o corpo na oficina.
Ele é
parte das máquinas que move
e que
movidas não sabem mais parar.
Os pés
descalços prologam pedais
os braços
são como alavancas
e as mão
estendem pontas de um fio
que existe
no fuso e no tear.
O trabalho
do corpo é o objeto
que o
homem vende ao dono todo o dia.
O
corpo-livre pertence ao maquinário
que o
homem converte no operário
de que
reira o preço do sustento:
a comida a
cama a casa o agasalho
o que
mantém vivo o corpo e o seu trabalho.
Carlos
Rodrigues Brandão
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